Israel muda regras de abate “kosher” e mexe com mercado


Brasil pode aumentar participação no mercado israelense, ocupando fatias de países contrários ao abate religioso

A visita do presidente Jair Bolsonaro a Israel, no início desta semana, que resultou no acordo para abertura de um escritório comercial em Jerusalém (adiando a promessa de campanha de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv), representa claramente uma aproximação do atual governo com país judaico. No que se refere ao setor de carne bovina, a indústria brasileira exportadora pode tirar proveito desse estreitamento de laços entre os dois países – desde que continue atenta às novas normais vigentes do mercado israelense.

Conforme informa texto do portal CarneTec, desde junho do ano passado uma nova regra de abate animal em Israel impactou diretamente o comércio mundial de carne bovina “kosher”, método que segue os preceitos religiosos judaico. Trata-se de uma norma estabelecida pelo Serviço Veterinário e de Saúde Animal do Ministério da Agricultura de Israel, (IVSAH, na sigla em inglês), que exige o uso de um box rotativo de imobilização de bovinos, a implantação de novas normas de bem-estar animal e o cumprimento das Análises de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC).

Essa decisão surgiu, em parte, para erradicar a prática de “shackle and hoist” (acorrentar e pendurar), na qual o animal é arrastado na planta processadora, pendurado com ganchos e imobilizado no piso. “O bem-estar animal não é um enfeite, é um ponto de valor agregado, é o que a sociedade nos cobra e nos exige”, diz à CarneTec o consultor Felipe Kleiman, diretor e fundador da KLM Kosher Consult.

Essa nova norma afetou especialmente as plantas de abate animal do Mercosul, que são grandes fornecedoras de carne bovina para Israel. O Uruguai é hoje o principal exportador do bloco, com 26,2% do mercado, seguido pela Argentina (22,5%), Paraguai (18,4%) e Brasil (16,41%).

Segundo o consultor, nascido no Uruguai e hoje radicado no Brasil, embora seja uma norma obrigatória, “muitas empresas decidiram não instalar os boxes rotativos”, por causa do alto custo do equipamento e dos ajustes necessários, entre outros motivos. Foi assim que cerca de 50% de um total de 43 plantas exportadoras do Mercosul perderam esse mercado por não cumprirem com as exigências da norma. No entanto, informa Kleiman, muitas outras empresas adequaram suas plantas e “hoje, a maior parte dos tradicionais players desse mercado está operando novamente”.

Ao mesmo tempo, o consultor considera que outros países terão o potencial de exportar carne bovina tanto para Israel quanto para outros mercados kosher. “O mercado kosher está passando por uma rápida transformação e deve haver um movimento inédito de alternância de empresas nesse segmento tão especializado”, prevê.

Entre outros países latino-americanos, o México atualmente está sob processo de fiscalização pelas autoridades israelenses e a Colômbia já conta com a habilitação de quatro plantas para a atividade. No que se refere à exportadores da Europa, Kleiman acredita que países como Hungria, Romênia e Lituânia, poderiam se empenhar como fornecedores de carne bovina para Israel.

Por outro lado, a Polônia, que atualmente é o quinto principal fornecedor de carne kosher a Israel, corre o risco de ser retirada do mercado por medidas políticas que buscam proibir a prática kosher em seu território. Nesse sentido, a Europa mantém um “movimento muito poderoso” contra o abate kosher, explica Kleiman. Ele enfatiza que “esse tipo de abate continua sendo equivocadamente classificado como um sistema cruel”.

Mais recentemente, a proibição do abate kosher foi decretada na região belga de Flandres em janeiro deste ano. Outros países europeus, como Noruega, Suécia, Dinamarca e Eslovênia, contam com suas respectivas leis que impedem a prática e buscam proibir o abate religioso sem acordo prévio. “É possível que, se o Reino Unido ratificar sua saída da União Europeia, também seja discutida a proibição dos abates kosher e halal tradicionais sem acordo”, ressalta Kleiman.

O consultor reconhece que o abate kosher tem problemas estéticos, visto que consiste em sangria e que gera movimentos involuntários no animal durante o processo de choque por anemia. “A degola kosher é um método muito eficiente, mas implica o fluxo de muito sangue, o que pode impressionar pessoas alheias ao ambiente de abate”, explica. Kleiman ressalta, a esse respeito, que esse fator foi explorado com pouco ou nenhum escrúpulo por movimentos contrários à realização do abate kosher.

Box rotativo

Com o sistema de bem-estar animal, o bovino entra no box rotativo e é suavemente imobilizado. Ao girar 180 graus, é colocado em uma posição para ser abatido rapidamente em modo kosher, o que garante uma operação segura e eficaz com o mínimo de estresse. O rabino, posteriormente, corta as artérias carótidas e veias jugulares do animal com uma faca extremamente afiada, o que Kleiman define como “um instrumento de corte de alta precisão e de alta qualidade”. “Essa lâmina não tem nada a ver com uma faca de cozinha”, acrescenta.

Dessa forma, o rabino induz o processo de perda de consciência do animal, que se conclui em aproximadamente 30 segundos, de acordo com a especialista e professora Temple Grandin. Cerca de 90% dos animais abatidos com o método kosher alcançam a inconsciência dentro do tempo aceitável. Temple afirma que a imobilização do animal para o abate kosher tem muito mais relevância sobre o bem-estar animal que o próprio abate religioso. “É na imobilização que se produzem as vocalizações, que são os principais indicadores de bem-estar animal segundo os protocolos internacionais”, acrescenta (com CarneTec).

 

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