Quando Rosana Aparecida Gabardo Pallu ainda trabalhava como confeiteira, o morango era um de seus ingredientes prediletos. “Adorava trabalhar com morangos na cozinha”, conta. E a escolha de plantar a fruta quando decidiu mudar de carreira pareceu bastante natural. Hoje, ela, a irmã e o marido cuidam de uma pequena propriedade em Mandirituba, na Região Metropolitana de Curitiba, que produz cerca de mil quilos de morango por mês.
Desde 2019 eles se dedicam à produção de morangos. Com a pandemia, Rosana conta que o consumo cresceu e eles decidiram ampliar a produção. Construíram duas novas estufas na propriedade de três alqueires, que vão se somar a outras duas já ativadas. A expectativa é aumentar a renda e ofertar empregos.
Os morangos semi-hidropônicos já ganharam fama na região e muita gente busca direto a propriedade para comprar a fruta. A maior parte da produção atende mercados de Curitiba, mas Rosana também vende para quem vai até lá. No verão, a colheita é diária. Atualmente, colhe morangos três vezes na semana.
A propriedade mantida por Rosana exemplifica bem o perfil do produtor de morangos no Estado e no País. De acordo com Juliano Tadeu Vilela de Resende, professor de Horticultura da Universidade Estadual de Londrina (UEL), existem cerca de 25 mil famílias que plantam morango no Brasil em áreas menores que meio hectare “Geralmente, planta-se 2 mil metros quadrados com mudas de morango e, com isso, tiram todo sustento da família. O morango é uma fruta elitizada e a procura é maior que oferta”, explica.
De acordo com dados da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento (Seab), o morango é a terceira fruta em movimentação de capital na fruticultura do Estado, com participação de 12,5% no total do Valor Bruto da Produção (VBP) do setor.
Paulo Andrade, engenheiro agrônomo da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento, afirma que o cultivo vem crescendo no Paraná. No comparativo de 2010 com 2019 – data do último levantamento da fruticultura no Estado – houve um aumento de 69% na área plantada no Paraná, acréscimo de 128,3% nas colheitas e de 238,3% no VBP nominal.
O crescimento do plantio se explica na lucratividade obtida com a produção. “Para se ter uma ideia, temos quase 7 mil hectares com tangerinas no Paraná, cujo VBP é semelhante aos 900 hectares de morango. Portanto, a renda obtida em uma pequena área com mão de obra intensiva demonstra a consistência do negócio”, afirma Andrade.
Segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 2017, o Paraná conta com 1.469 produtores de morango. O cultivo da fruta ocupa aproximadamente 905 hectares, com produção de cerca de 33 mil toneladas.
LIDERANÇA – A Região Metropolitana de Curitiba é a principal produtora do Estado. Dentro de todo o cinturão, são aproximadamente 880 produtores.
O técnico agrícola Joel Sebastião da Cruz, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná-Iapar-Emater (IDR-Paraná), explica que o morango começou a ganhar força na cidade há mais ou menos oito anos, devido à falência de uma empresa avícola instalada no município. Os técnicos trabalharam então na transformação dos aviários em estufas. Assim, foi possível aproveitar boa parte da estrutura para gerar renda. O cultivo acontece principalmente em bancadas de substrato, e não solo, em um sistema conhecido como semi-hidropônico.
“Iniciamos com quatro produtores na cidade e atualmente temos em torno de 90”, diz. Cruz presta assistência técnica na orientação para identificação de pragas e doenças, adubação, correção de solos e escolha de variedades.
De acordo com a secretária de Agricultura e Meio Ambiente de Mandirituba, Alessandra Clemente, o município tem percebido cada vez mais o crescimento do plantio na região. Para incentivar os produtores, a prefeitura faz a terraplanagem para quem quiser plantar a fruta, sem nenhum custo.
“Estamos construindo também uma estufa-escola dentro do parque municipal, que será a nova sede da Secretaria da Agricultura. Lá poderemos fazer testes de adubação, dias de campo, promover cursos. Tudo para capacitar cada vez mais os agricultores”, explica.
Para tentar promover a industrialização do morango produzido no município, trazendo maior valor agregado ao produto, a prefeitura está incentivando a formação de uma cooperativa local que, segundo a secretária, está praticamente formada.
“Sabemos que o morango chega num ponto que o grau de maturação não permite a venda, mas ele poderia ser aproveitado para ser vendido congelado ou como polpa. Com a criação desta cooperativa poderemos levar a produção de Mandirituba para mais lugares”, afirma Alessandra.
Kátia Estela Tsuneta Matsui se dedica ao cultivo de morangos há 25 anos no município. Na propriedade da família são colhidas cerca de 20 toneladas por ano, distribuídas diretamente para mercearias, quitandas e pequenos mercados. “Fazemos a venda direta para o consumidor. Assim, conseguimos ganhar um pouco mais, sem passar por atravessadores”, diz.
Com a criação da cooperativa municipal, Kátia espera conseguir reunir um grupo de produtores para ter mais volume e comercializar para grandes redes de supermercados. “Como são produções pequenas, um produtor sozinho dificilmente consegue atender uma rede. Mas, juntos, podemos eliminar atravessadores e fornecer para redes maiores, aumentando o nosso lucro”, afirma.
O extensionista do IDR-Paraná Luiz Gustavo Lorga, que atende os municípios de Mandirituba e Fazenda Rio Grande, diz que o apoio à produção envolve desde a implantação do sistema até o pós-colheita. Os produtores também recebem capacitação, em parceria com prefeituras, Senar, Sebrae e Universidade Federal do Paraná (UFPR). E os benefícios são inúmeros. A fruta representa fonte de renda, possibilidade de fixação da família na propriedade rural e de utilização de pequenas áreas com alto Valor Bruto de Produção.
“Isso acaba tornando algumas áreas improdutivas em locais onde podem ser utilizadas as estufas, porque a cultura depende das bancadas, não do solo”, explica Lorga.
Além dos padrões de consumo na pandemia, que levaram parte da população a comprar mais frutas, a mudança da “imagem” do morango também é responsável pelo aumento da demanda. Se anos atrás o produto era considerado um vilão pelos consumidores por conta dos agrotóxicos, hoje, com o uso consciente de agroquímicos, esse cenário está se transformando. “Também foram introduzidas variedades muito saborosas na Região Metropolitana, o que tem atraído compradores”, completa o extensionista.
Nas capacitações, os agricultores aprendem a utilizar recursos biológicos da própria propriedade, com microorganismos eficientes, para evitar a proliferação de pragas. Com isso, reduzem custos, melhoram suas condições de trabalho e garantem um produto mais saudável. Lorga destaca ainda o trabalho desenvolvido pela Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) para fortalecer a segurança alimentar.
QUALIDADE – Para a produtora Adriana Carneiro Santana, a fruticultura representa um complemento da renda. Ela alia há seis anos a produção de morangos em Mandirituba à longa carreira como técnica de enfermagem. Em conversa co produtores da região, foi orientada a procurar a antiga Emater, hoje incorporada ao IDR-Paraná, onde descobriu que a cultura estava se expandindo, que tinha boa aceitação no mercado, e também conheceu os cursos e a assistência técnica.
Ela mantém a produção de 15 mil pés com ajuda de familiares e de um funcionário. Embora ainda enfrente desafios com o manejo e mão de obra, Adriana conta com apoio técnico do IDR-Paraná para várias etapas da produção.
“Os técnicos são grandes parceiros, auxiliam desde a montagem da estufa até a comercialização. Com as orientações deles conseguimos reduzir quase que em 100% o uso de agrotóxicos”, afirma.
Agora, a família busca ampliar a produção para 20 mil pés. Ela reconhece a força das mulheres nas etapas de produção, mas reforça a necessidade de mais espaço na comercialização e tomadas de decisões.
A produção da família é quase toda vendida para clientes fixos em Curitiba, com divulgação por meio das redes sociais. “Nosso diferencial está na qualidade. Os morangos são selecionados, atendendo as necessidades de cada cliente. Atendemos muitas boleiras e doceiras, por exemplo, e seguimos sempre o mesmo padrão de peso da fruta para bombons e trufas”, diz.
Projeto Rede Morangos do Brasil é coordenado pelo Paraná
Pesquisa em rede que envolve instituições de cinco estados, e coordenada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), está desenvolvendo cultivares de morango genuinamente brasileiras. Cultivares são espécies de plantas que passaram por processo de melhoramento genético, realizado por pesquisadores. Elas se distinguem das outras variedades da mesma espécie por apresentar maior produção, qualidade e melhor adaptação ao clima da região.
No caso do morango, além do Brasil ser dependente das cultivares estrangeiras – pagando royalties por elas – as plantas necessitam de um longo período de frio para iniciar sua florada, obrigando que as mudas usadas no país se submetam ao frio no Chile ou na Argentina.
Com a alta do dólar, o produtor sentiu no bolso o impacto. Hoje, o preço da muda varia de R$ 1,20 a R$ 1,70. “Isso aumentou consideravelmente o custo de produção. Para se plantar um hectare de morango, só em mudas, o agricultor gastaria cerca de R$ 100 mil, porque são plantadas de 60 a 80 mil mudas por hectare”, explica o professor de Horticultura da UEL e coordenador da Rede Morangos do Brasil, Juliano Tadeu Vilela de Resende. Com a produção nacional de mudas, o valor de cada planta cairia pela metade.
A pesquisa com cultivares de morango na UEL começou há cerca de oito anos e está criando variedades mais adequadas ao clima do País. Os pesquisadores fizeram diversos cruzamentos usando cultivares americanas, espanholas e japonesas, sempre selecionando as que melhores se adaptaram ao clima brasileiro. De 3 mil plantas obtidas, os pesquisadores chegaram a cerca de 20 potenciais cultivares que apresentaram as melhores características agronômicas e nutricionais.
“Agora, o próximo passo é implantar estas mudas em cinco estados brasileiros, que são as maiores regiões produtoras. Após este período de teste, exigido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, as cultivares podem ser registradas e disponibilizadas aos agricultores”, enfatiza Resende.
A iniciativa possui investimento anual de R$ 600 mil, realizado pela Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), por meio da Unidade Gestora do Fundo Paraná (UGF). O recurso é utilizado na implementação de infraestruturas como casas de vegetação, câmara fria, veículo, bolsas, equipamentos de alta tecnologia e utensílios laboratoriais.
“O valor que vamos investir no projeto será importante para que a UEL e a Unicentro, instituições que são referências nacionais no melhoramento genético da cultura, possam lançar até 2023 as primeiras cultivares de morango genuinamente brasileiras, depois de 30 anos”, destaca o superintendente da Seti, Aldo Bona.
Experimentalmente, as cultivares em estudo pela UEL produzem o dobro das cultivares internacionais. Enquanto as mudas estrangeiras têm produtividade média de 600 a 800 gramas, a planta desenvolvida aqui produz entre um quilo e um quilo e meio de morango. A previsão é que estas mudas estejam disponíveis aos agricultores em 2023.