A Agricultura 4.0 está chegando aos poucos, é necessário antever problemas futuros e nos prepararmos para dar soluções agora
São 6 horas da manhã e José, produtor de grãos e algodão em Sinop, MT, senta à mesa para o “quebra torto” na própria fazenda, a 100 km da sede do município. Entre um gole de café e uma broa de milho, confere a situação dos preços na Bolsa de Chicago, lê relatórios sobre a evolução da colheita nos EUA e da demanda chinesa, e fecha operações de venda a futuro para se proteger da instabilidade dominante no mercado nestes tempos difíceis. Em seguida José acessa o sistema que gerencia as colheitadeiras de soja e algodão, guiadas por satélites, controla as informações do sistema de monitoramento de pragas, realiza pagamentos diversos e só então sai para “iniciar” o dia que de fato começou muito antes. Tudo feito por meio do celular, conectado à rede móvel por satélite. Pode parecer ficção, mas a Agricultura 4.0 já é uma realidade no Brasil e vem se difundindo sob a liderança de jovens agricultores, com perfil fortemente empreendedor, conectados não apenas com as revoluções tecnológicas, mas também com as exigências dos mercados.
Esta tecnologia, que parece ficção, é necessária para assegurar e ampliar o espaço do Brasil como potência agrícola global, afinal, há múltiplos desafios. Da porteira para dentro, o principal é elevar a produtividade, respeitando as crescentes exigências das sociedades consumidoras que requerem alimentos e matérias primas saudáveis e de qualidade, uso sustentável dos recursos naturais e a utilização de sistemas produtivos transparentes e responsáveis. Da porteira para fora, os desafios são ainda mais complexos, envolvem não apenas a logística como também instituições e políticas para sensibilizar os mercados e a sociedade de que a competitividade da agricultura não é espúria e está calcada na utilização sustentável dos recursos do país.
Nesse contexto, a complexidade é crescente, mas os processos precisam ser operados de forma simples, transparente e sustentável, visando alavancar a competitividade. É na solução desta equação que entram as tecnologias associadas à Agricultura 4.0. De um lado, a geração, captura e processamento de um volume crescente de dados e informações, inclusive de mercados, viabiliza a prática de uma agricultura que maximiza o uso sustentável de recursos, reduz desperdício e custos inúteis, controla os riscos e integra as dimensões produtiva, comercial e financeira. De outro lado, a criação de empresas ligadas às novas tecnologias, e a consequente geração de empregos mais qualificados, contribuirá para geração de riqueza no país.
São inúmeras as possibilidades para criação de startups ligadas à Agricultura 4.0 como: o aperfeiçoamento do Zoneamento Agroecológico e do Cadastro Ambiental Rural, possivelmente o sistema mais avançado de monitoramento agrícola e ambiental no mundo; o desenvolvimento de sistemas meteorológicos de precisão e a gestão agrícola dos riscos climáticos, cada vez mais elevados; além da adoção de mecanismos de rastreabilidade, que tanto contribuem para a utilização sustentável dos recursos naturais quanto empoderam o consumidor, transformando-o, de fato, em “gestor” da cadeia de valor.
O problema é que esta agricultura não funciona sem infraestrutura adequada e o Brasil, ainda indigente em infraestrutura dos séculos XIX e XX, precisará rapidamente construir a do século XXI para viabilizar a expansão da Agricultura 4.0. O déficit de infraestrutura é, sem dúvida, um obstáculo para a expansão da Agricultura 4.0 no Brasil e corretamente tem sido o foco principal de preocupações do setor.
No entanto, não é possível negligenciar o desafio relacionado à qualificação da força de trabalho e nem os impactos que a Agricultura 4.0 terá sobre o expressivo contingente populacional que hoje depende do meio rural, que apresenta níveis de qualificação ainda mais baixos do que a média do país. O setor agrícola ainda é um grande empregador na economia brasileira, uma questão importante em tempos de desemprego recorde. Segundo o Censo Agropecuário de 2017, a agricultura absorvia 18 milhões de pessoas, 20% do mercado de trabalho brasileiro. A inevitável difusão dos novos sistemas produtivos pode contribuir para o desemprego recorde e inviabilizar um grande número de pequenos estabelecimentos de natureza familiar, que são responsáveis pela absorção de mais de 50% dos ocupados no setor.
Qualquer pessoa medianamente informada sabe que nas últimas décadas o Brasil não investiu adequadamente em educação, o que se reflete nos indicadores de produtividade e competitividade do país. Na verdade, falta uma política estruturada para orientar a juventude, em especial a rural, e viabilizar projetos empreendedores, além de criar alternativas ao assalariamento ao final do Ensino Médio. Trata-se, sem dúvida, de um problema potencialmente sério uma vez que os trabalhadores e produtores excluídos, em geral com baixa escolaridade, já não encontram espaço nem nas atividades no meio urbano, que tradicionalmente os absorveram, nem nas fronteiras de expansão agrícola. Importante considerar que a maior marginalização, não por acaso, ocorrerá na região nordeste do país.
A sociedade e o setor agrícola demandam ações efetivas, não só para a adequação da infraestrutura e a qualificação da mão de obra requerida pela Agricultura 4.0, mas, também, para a geração de negócios suficientes para abrigar a população que inevitavelmente será realocada – ou descartada – pela revolução tecnológica que está a caminho. Os desafios da Agricultura 4.0 transbordam o setor agrícola e as demandas por infraestrutura. Porém, a agricultura brasileira é dinâmica o suficiente para solucionar essas questões, basta a adoção das políticas adequadas para o estimulo à geração de novos negócios, o que não deveria ser difícil em um país que concentra a maior biodiversidade do planeta. Mas parece que temos nos especializado em complicar o simples e dificultar o fácil, e nesta falta de planejamento com sensatez corremos sérios riscos de deixar passar mais uma boa oportunidade de antecipar soluções para previsíveis problemas futuros.